quarta-feira, 22 de agosto de 2007


O que tem de mudar

A mentalidade: Ao contrário do que J.J. Rousseau parece ter defendido, o homem primitivo não era “um bom selvagem”, nem o indivíduo antecedeu a sociedade. No seu caminho de primata a hominídeo, e de hominídeo a homo sapiens, o homem evoluiu num quadro social, temperando a agressividade com o altruismo, como qualquer outro primata superior. Não foi a aquisição da razão e da linguagem que transformaram o homem num animal social, pelo que não podemos regressar a um estádio paradisíaco anterior, que nunca existiu.

Durante milénios desenvolvemos a nossa ganância natural sem pôr em causa a sobrevivência do grupo. A solidariedade no grupo era reconhecida como necessária à sobrevivência colectiva, apesar da existência de hierarquias bem definidas no seio da sociedade. Foi só a partir do século XVIII que perdemos o sentido do grupo, substituindo-o progressivamente por um individualismo destrutivo, quase patológico. Pela primeira vez na história aceitámos como boa a exclusão dos mais fracos, numa negação dos valores mais básicos da nossa espécie, e nos lançámos na procura egoista do benefício máximo para nós e para os que nos estavam mais próximos, quaisquer que fossem as consequências. Esmagamos ou destruimos até os que nos rodeiam, destruimos o ambiente e os equilíbrios ecológicos, sacrificamos o futuro em nome do presente. Caminhamos a passos largos para o desastre global sem a menor consciência do que nos espera. A própria economia é a expressão desta corrida destrutiva, em que só o interesse próprio conta.

É preciso travar a fundo. É preciso fazer o recenseamento dos recursos disponíveis a longo prazo e limitar os consumos aos recursos renováveis. É preciso contabilizar o que cada um precisa de ter e garantir uma afectação global de recursos que permita a cada um a subsistência com dignidade. Teremos de aprender a prescindir de muito que é supérfluo para que todos possam ter o essencial, e é preciso reordenar as nossas prioridades para que o essencial se não confunda com o trivial.

Temos todos de comer de forma saudável. Temos de dispor de abrigo e roupa adequada.Temos de garantir a investigação e o acesso ao conhecimento e à informação. Temos de promover a saúde e o bem estar físico. Temos de desenvolver a cultura. Temos de procurar o acesso ao lazer saudável. Temos de garantir o transporte e a comunicação, à escala local, regional e global. Temos de conseguir isto tudo para todos os habitantes do planeta, à custa de recursos renováveis. Temos de tudo subordinar à realização deste objectivo, se quisermos garantir a paz e a sobrevivência da espécie humana. Os sistemas económico e político terão de se adaptar a esta necessidade, e todos teremos de aceitar de bom grado as limitações que esta necessidade nos impõe.

(continua)

quinta-feira, 16 de agosto de 2007


O que tem de mudar

A forma de produção: Como todo economista sabe, os recursos são escassos e as necessidades aparecem como ilimitadas. O que tem como consequência a impossibilidade de satisfazer a generalidade das necessidades, e leva os mais poderosos a apropriarem-se de um quinhão excessivo dos recursos, impossibilitando aos mais fracos a possibilidade de satisfazerem as necessidades mais básicas. O ideal seria que uma mudança de atitudes e de mentalidades fizesse com que todos pudessem ter acesso ao que é necessário para subsistir com dignidade. No passado pensava-se que só a intervenção da comunidade – através do Estado – podia levar a uma distribuição mais equitativa de recursos. Só que, se o não fizesse com muito cuidado e prudência, podia causar males ainda maiores. O problema estava em que as medidas de intervenção destinadas a permitir uma mais justa redistribuição de recursos tinham como consequência quase imediata a destruição dos incentivos ao investimento e à produção. A nosso ver, a via que melhor pode concretizar o objectivo da redistribuição é a que promove a transformação de um sistema baseado no empreendorismo individual por um empreendorismo colectivo. Ou seja, a substituição da empresa capitalista pela empresa cooperativa. A procura do ganho e do sucesso na empresa capitalista conduz ao enriquecimento de apenas alguns, e à exploração do factor trabalho – tornado mais frágil pela decadência do poder sindical, fruto da globalização – pelo factor capital, e à exclusão social. A estatização da economia e das actividades produtivas matava a iniciativa e promovia a ineficiência, mas a empresa cooperativa mantem todo o dinamismo produtivo e a procura da eficiência, mas transfere para os trabalhadores – agora chamados cooperantes – os benefícios do esforço realizado e do sucesso alcançado. Desta forma a distribuição da riqueza deixa de se fazer apenas pela via fiscal, mas passa sobretudo a fazer-se por uma distribuição diferente dos rendimentos derivados da actividade produtiva. O primeiro passo numa transformação de uma sociedade predatória para uma sociedade solidária passa pela destruição da empresa capitalista, substituindo-a pela empresa cooperativa.

(continua)

terça-feira, 14 de agosto de 2007

A Origem das Preocupações Sociais

A “Direita”, para se livrar das críticas feitas por alguma “Esquerda”, recorre sistematicamente à acusação de “marxismo”, chamando a atenção para o desastre que foi a experiência “socialista” da União Soviética. Ou seja, quem critica o capitalismo neo-liberal, globalizante, só pode ser um retrógrado marxista que nada mais deseja do que repetir os erros soviéticos, apoiado ainda por cima num horroroso totalitarismo.

É evidente que só um louco quereria repetir a experiência soviética, mas isso não significa que o ideal social tenha perdido a razão de ser, ou que o capitalismo seja o sistema sob o qual teremos de viver.

Curiosamente, há muitos séculos que o problema da justiça social se coloca, e que há um corpo doutrinário – que nada tem a haver com o marxismo, até porque o antecedeu de muito -, que nos dá orientações preciosas sobre a maneira de actuar em comunidade. A chamada Doutrina Social da Igreja – que nos propomos analisar neste Blogue com algum pormenor -, cuja origem está nos Evangelhos e nos escritos dos doutores da Igreja desde os primeiros séculos do cristianismo, há muito aponta para coisas tão óbvias como o “bem comum”, o destino comum dos bens terrenos, o caracter relativo do direito de propriedade, e até o imperativo ético e moral da opção pelos mais pobres. Apenas como uma primeira ilustração disto passo a citar (em tradução própria do texto em inglês) a seguinte passagem da obra Dos Deveres do Clero, de Sto. Ambrósio de Milão, que viveu no século IV d.C.:

Em seguida consideraram estar de acordo com a justiça que se tratasse propriedade comum, ou seja pública, como pública, e propriedade privada como privada. Mas isto nem sequer está de acordo com a natureza, pois a natureza disponibilizou todas as coisas para uso comum de toda a gente. Deus ordenou que todas as coisas fossem produzidas de forma a que houvesse comida para todos, e que a terra fosse propriedade comum de todos. A natureza produziu portanto um direito comum para todos, mas a ganância transformou-o num direito apenas para alguns.” (Sto. Ambrósio de Milão, Dos deveres do Clero, Livro I, Cap. XXVIII – 132)

Não é preciso recorrer a Karl Marx para defender valores sociais de uma forma radical. O cristianismo há muito que se encarregou de tal fazer, mas são muitos os “cristãos” a quem convém substituir um imperativo de partilha e um respeito dos direitos dos mais pobres por uma vaga caridade voluntária, cujos limites são definidos pelos interesses de quem a pratica. A Igreja há muito que afirma que a propriedade privada só é legítima quando é posta ao serviço de todos, mas os nossos piosos “cristãos” consideram-na um direito absoluto que lhes permite canalizar para si todo o benefício da sua exploração.

Se há elemento da ideologia marxista que podemos adicionar ao que a Igreja há muito determina, é o de “luta de classes”, não como mecanismo desejável mas como elemento objectivo das relações dentro da comunidade. O espírito de ganância que parece ser próprio do Homem manifesta-se de forma individual – cada um procura o máximo para si -, mas a procura da eficácia na prática predatória levou a que os homens procurassem cumplicidades que tornassem as suas ambições mais faceis de alcançar. A mesma lógica que leva o bandido a associar-se com outros bandidos no seio do bando, leva os exploradores a associarem-se na exploração, o que leva a que os explorados procurem igualmente associar-se na resistência à exploração. É a eterna divisão entre predadores e presas, a que Marx optou por chamar “luta de classes”. E o curioso é que a Igreja, ao proclamar a opção pelos pobres, está a reconhecer essa realidade, já que contrapõe os interesses e direitos dos pobres aos interesses dos que o não são. Para Marx havia a classe burguesa e a classe proletária, para a Igreja há os ricos e os pobres. E tal como Marx não queria o mal dos burgueses mas a sua integração numa sociedade sem classes, também a Igreja não quer mal aos ricos, quer levá-los a colocar a sua riqueza ao serviço de todos e impedir que continuem a enriquecer à custa dos outros.

A propaganda capitalista, a posse quase exclusiva dos meios de comunicação social pelos agentes da oligarquia, tem tentado – com bastante sucesso, deve-se reconhecer – impedir que nos apercebamos do óbvio. Os lobos têm, até agora, conseguido que sejam os cordeiros a vir oferecer-se à sua gula, convencidos da inevitabilidade do seu destino como alimento. Os indícios do desastre económico e ambiental que se aproxima tornam urgente que os cordeiros se apercebam de que não têm de ser comidos, e que podem derrotar os lobos. Um mundo sem lobos pode não ser possível, mas é tempo de os tornar vegetarianos.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Apresentação


Blogues
há muitos. Blogues monárquicos de esquerda...radical, é natural que não haja nenhum. Porquê então esta bizarria? Vou tentar explicar:

Ao longo dos anos que já tenho - e já não são tão poucos como isso - fui-me apercebendo de que vivíamos num mundo disfuncional, com um sistema de vida não menos disfuncional. Perdeu-se o sentido de comunidade, perdeu-se o valor da solidariedade, perdeu-se o sentido da ética. Em nome de uma pseudo-liberdade e da eficiência desumanizámo-nos, adoptámos a lei da selva como norma, em que os mais fortes, mais agressivos, menos escrupulosos, prevalecem. "Ter" tornou-se muito mais importante do que "Ser", e já não se olha a meios para alcançar os objectivos materiais que nos obcecam. Os mais fortes abusam dos mais fracos, o poder político deitou pela janela fora o princípio do "bem comum", enveredando pela opressão e pela extorsão pura e simples, quem estuda ou investiga plagia, quem tem quer ter mais, quem não tem ou rouba ou definha...

O neo-liberalismo galopante, na sua versão mais globalizada, destruiu todos os valores, com excepção dos valores monetários. Na ânsia de produzir cada vez mais, agride-se o planeta, destroem-se os equilíbrios ecológicos, polui-se, destroem-se os recursos não renováveis num total desprezo pelas gerações futuras. Sem dar por isso estamos a deslizar de forma segura para a situação que conhecemos no século XIX, em que a fortuna de poucos se fazia à custa da miséria de muitos.

A globalização e uma liberdade de comércio fundamentalista, ao abrir a porta à deslocalização dos meios de produção, destruíram o movimento sindical e lançam um número crescente de pessoas na exclusão social. As relações laborais são cada vez mais precárias, quem não é rico ou não pertence aos órgãos da oligarquia enfrenta carências crescentes e uma incapacidade crescente para fazer face às suas necessidades mais fundamentais.

Face a isto a chamada "direita" não só não tem resposta como nem acha que uma resposta seja necessária. Apesar dos apelos repetidos da Igreja no sentido de se acautelarem os direitos dos mais pobres, essa direita conservadora, que gosta de se intitular de cristã mas sacrifica ao deus do dinheiro, fecha sistematicamente os olhos ao escândalo da pobreza crescente, garantindo-nos com toda a hipocrisia de que é capaz, de que o capitalismo selvagem acabará por dar a todos o benefício de uma sociedade patologicamente consumista.

A "esquerda" titubeia. Até porque hoje muitos do que se intitulam de esquerda são irmãos siameses do pior que a direita produz. Corrompidos pelo dinheiro da oligarquia nacional e internacional, os políticos da falsa esquerda são hoje tão culpados como a pior direita do que nos vai acontecendo. É preciso uma nova esquerda que regresse aos valores de esquerda, que - mesmo quando não é cristã - compreenda a mensagem da Doutrina Social da Igreja, que faça uma opção clara pelos pobres, que se proponha destruir todos os instrumentos da opressão oligárquica.

É preciso, salvaguardando o que de válido tem o mercado, substituir a empresa capitalista pela empresa cooperativa e pela auto-gestão dos que trabalham. É preciso penalizar a especulação financeira, introduzindo finalmente uma taxa Tobin sobre todas essas transacções, que permita financiar o estado social. É preciso rapidamente substituir as fontes não renováveis de energia por energias renováveis, e muito especialmente o hidrogénio, mesmo que os seus custos sejam temporariamente mais altos. É preciso instituir um sistema de economia social - dirigido a responder às muitas necessidades sociais pelas quais o sector privado se não interessa - de forma a, simultaneamente, responder a essas necessidades e garantir funções remuneradas a quem não consegue inserir-se no sector produtivo. É preciso garantir a educação, os cuidados de saúde e a reforma - a níveis compatíveis com a dignidade humana - a todos.

Finalmente, é preciso estabelecer um sistema político capaz de resistir com eficácia ao assalto permanente da oligarquia. Uma Monarquia temperada pela participação da comunidade, com um Rei com os poderes necessários a impedir o assalto da oligarquia aos órgãos do poder político, é a resposta possível ao sistema corrupto e anti-democrático que vigora por esse mundo fora.

Neste Blogue lançarei as minhas ideias sobre estas questões, e acolherei a participação de todos os que, de forma digna e elevada, quiserem ajudar nesta reflexão.

Nuno Cardoso da Silva