domingo, 2 de dezembro de 2007

O Novo Feudalismo

O capitalismo neo-liberal globalisante está a criar uma nova forma de opressão política: um neo-feudalismo em que os feudos são as grandes empresas transnacionais e os novos servos todos aqueles que trabalham por conta de outrem.

Durante séculos a estabilidade política, a justiça e o respeito dos direitos dos povos e dos homens foram conseguidos pela capacidade do poder político se manter independente do poder económico e de o controlar. Aristocracias do sangue, forças armadas e sindicatos foram os instrumentos utilizados em diferentes épocas e em diferentes circunstâncias para controlar as oligarqias económicas. Nos nossos dias nenhuma força social tem capacidade para manter esse controlo. As aristocracias hereditárias perderam a legitimidade, as forças armadas, profissionalizadas, tornaram-se em guardas pretorianas das oligarquias, e os sindicatos foram neutralizados pela globalisação e pela deslocalização. O poder económico compra as consciências dos políticos, manipula as opiniões públicas por via do monopólio da comunicação social, neutraliza os sindicatos com a ameaça da deslocalização. Em breve veremos as grandes multinacionais criarem as suas próprias milícias – ao estilo da Blackwater a actuar no Iraque -, tornando impossível qualquer resistência ao seu poder tirânico.

É este grande desígnio plutocrata que explica a sanha anti-Chavez, o bloqueio a Cuba, e a subversão de que é alvo Evo Morales. É na América Latina que se está a esboçar a alternativa ao neo-feudalismo, e é por isso que é vital apoiarmos a revolução bolivariana e as mudanças constitucionais a serem implementadas na Venezuela. O futuro de todos nós passa pelo sucesso da revolução bolivariana, e pelo desenvolvimento de uma fórmula semelhante adaptada às realidades europeias.

Se não travarmos agora as oligarquias, condenaremos os nossos filhos e netos a reconquistarem a sua liberdade pela força das armas.

sábado, 17 de novembro de 2007

O Rei e o Presidente

Impõe-se um esclarecimento. Sou monárquico. Mas a última coisa que quereria seria um "rei" que se pusesse ao lado da oligarquia e atacasse quem optou pelos mais pobres. D. Juan Carlos I comportou-se de maneira grosseira para com o Presidente Hugo Chavez, mas o mais grave não foi a grosseria, mas o sinal que deu de que as suas simpatias estavam com Aznar, um fantoche do poder americano, um mentiroso que acusava a ETA do massacre de Madrid quando sabia que ele era de autoria muçulmana fundamentalista, um "democrata" que apoiou desde a primeira hora o golpe falhado de 2002 na Venezuela. D. Juan Carlos I é convidado habitual das reuniões do Grupo de Bilderberg, mostrando bem quais são os seus interesses e as suas lealdades. Se fosse um homem inteligente teria ficado calado na Cimeira Iberoamericana. Se fosse...mas não é...

A Opção Radical

O mundo está à beira de uma crise de grandes proporções. A obsessão hegemónica dos Estados Unidos e o seu recurso sistemático à força armada vão acabar por desencadear novos conflitos no Médio Oriente e, a prazo, com a China. O domínio exercido pelas oligarquias financeiras manifesta-se numa globalização que arruina as economias mais frágeis, e impõe uma dependência do petróleo cujo aumento sustentado do preço enriquece as grandes empresas petrolíferas. O desrespeito pelo ambiente está a provocar alterações climáticas que serão catastróficas para muitas regiões do globo. Os trabalhadores europeus vão ter de pagar a factura de uma concorrência impiedosa que vai levar à deslocalização massiva de actividades produtivas para países onde os direitos dos trabalhadores são ignorados. Os direitos humanos são cada vez mais desrespeitados, assistindo-se a uma crescente tirania por parte de um poder político submetido às oligarquias financeiras. A exclusão social é um flagelo em crescimento, produto de um liberalismo económico fundamentalista. A extorsão fiscal atingiu níveis insuportáveis.

Face a isto os partidos políticos tradicionais, mesmo os que se intitulam de "socialistas", nada mais fazem do que favorecer os grandes interesses económicos e financeiros internacionais, submetendo-se ao diktat de organismos tipo Grupo de Bilderberg, Trilateral, etc.

Para colocar um travão a este processo catastrófico; para proteger os mais frágeis das nossas sociedades; para garantir a subsistência a quem trabalha, para acabar com o boicote à alternativa energética do hidrogénio e promover as energias renováveis em geral; para inverter o processo de degradação ambiental; para acabar com a exploração dos países menos desenvolvidos; para acabar com o poder oligárquico; para impor o respeito pelos direitos humanos, já não se pode contar com as forças políticas centristas, sejam elas de centro direita ou de centro esquerda. Os políticos dessas correntes ou se venderam ou se submeteram à oligarquia internacional, não sendo mais do que correias de transmissão dos seus interesses. Só uma opção sistemática pelas correntes radicais de esquerda nos pode libertar deste processo catastrófico. Só o apoio aos que já se manifestaram incorruptos e incorruptíveis pode parar com a corrupção.

Dentro de pouco mais de um ano vai-se iniciar em Portugal um ciclo eleitoral que abrange as eleições para a AR, para o Parlamento Europeu e para as autarquias. Os eleitores vão ter de entrar em ruptura com as forças habituais da exploração e da inépcia e optar por forças políticas radicais que já manifestaram a sua vontade de enfrentar as múltiplas facetas desta crise, sem concessões aos que a provocaram. Algumas experiências na América Latina, como as que estão em curso na Venezuela, na Bolívia, no Equador e na Nicarágua, mostram que é possível derrotar as oligarquias e os seus mentores. É possível devolver a posse dos meios de produção aos trabalhadores, sem capitalismo de Estado; é possível privilegiar os mais pobres; é possível alargar os cuidados de saúde, a educação e a segurança social sem arruinar a economia; é possível fazer justiça; é possível fazer tudo isto no respeito da democracia e da liberdade.

É possível. Façamo-lo.

sábado, 27 de outubro de 2007

O FIM DO ESTADO DE DIREITO

A pouco e pouco Portugal vai-se tornando num Estado sem direito. O poder político, com o seu carácter fortemente oligárquico e cada vez mais autoritário, trata o cidadão como objecto que só existe para pagar impostos e para permitir ao poder político o exercício desse poder sem qualquer controlo.

O que se passa na área fiscal é particularmente agressivo e ilegítimo. O cidadão é sistematicamente acoçado para pagar, pagar, pagar, quer esteja em falta quer não esteja. Quem é acusado de dever dinheiro ao fisco e recorre para os tribunais para fazer prova da sua inocência é forçado a pagar, ficando à espera durante anos que os tribunais de dignem apreciar a sua queixa. E se, por acaso, lhe derem razão, o Estado sistematicamente recorre para a relação e para o Supremo, não na esperança de ganhar o pleito mas de punir o reclamante e a fim de desencorajar as tentativas de defesa. No fim, se o Supremo decidir contra o Estado e as Finanças tiverem de devolver as quantias abusivamente retidas, nada acontece, obrigando o queixoso a iniciar uma acção de execução contra o Estado. E, finalmente, quando as Finanças se vêem obrigadas a pagar, não pagam juros de mora. Entretanto tudo acontece ao queixoso, desde o congelamento de contas suas e do cônjuge, até inspecções constantes com a finalidade de o intimidar.

Nas multas por alegada infracção do código da estrada a situação é semelhante. Não raro, agentes da BT armadilham os condutores ou simplesmente os acusam de infracções imaginárias. Se o condutor recusa deixar-se intimidar a não paga é-lhe apreendida a carta de condução, substituída por uma guia que tem de ser periodicamente renovada, com todo o incómodo que isso causa ao condutor. E note-se que o condutor não está inibido de conduzir enquanto o seu protesto é analisado, a retenção da carta é para o obrigar a pagar mesmo quando tem razão. Depois o processo arrasta-se durante longos meses, por vezes mais de um ano, sempre que os serviços oficiais constatam que o queixoso tem razão.

É fundamental mudar este estado de coisas. O Estado tem de ser tratado pela justiça como qualquer outra entidade. Se o Estado inicia uma acção contra um contribuinte e este recorre aos tribunais, o processo tem de ser suspenso até que haja uma decisão judicial. Pois até essa altura o contribuinte tem de ser presumido inocente, como acontece em qualquer outra área do direito. Só assim se pode acabar com o abuso sistemático dos direitos dos cidadãos e o recurso sistemático e de má fé do Estado para instâncias superiores de justiça.

Se assim não acontecer, é tempo de exercer o nosso sacrossanto direito à revolta.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

REVOLUÇÃO

Em 5 de Outubro de 1910 uma pseudo-revolução derrotou uma pseudo-monarquia para implantar uma pseudo-democracia sob forma pseudo-republicana. O que não ficou na mesma ficou pior, com talvez a excepção da área da educação. Noventa e sete anos depois não há nada para comemorar, mas talvez valha a pena reflectir sobre o tema da Revolução.

Revolução é uma ruptura institucional que se justifica quando a situação em vigor se mostra estruturalmente incapaz de resolver os problemas de um povo. Foi isso que legitimou a revolução francesa e a revolução russa, e é isso que voltará a legitimar uma revolução futura.

A questão que se põe é simplesmente esta: será de novo necessário fazer uma revolução? Dados os mecanismos democráticos em vigor um pouco por todo o lado haverá ainda necessidade de rupturas revolucionárias?

Se olharmos para o que se passa em todos os continentes vemos que a democracia política, onde ela chegou a existir, foi substituída por regimes oligárquicos dependentes do poder económico. O liberalismo económico fundamentalista e a globalização destruíram o equilíbrio que chegou por vezes a existir entre o capital e o trabalho, dando todos os trunfos ao factor capital. Onde os trabalhadores não aceitam continuar a ser sujeitos ao processo de desmantelamento das leis laborais, e a ser condenados à precariedade do trabalho, ao aumento das horas de trabalho e à contratação individual, o capital deslocaliza as empresas, levando-as para regiões onde os custos do trabalho são menores e a docilidade desesperada dos trabalhadores maior. Os sindicatos estão impotentes perante este fenómeno da deslocalização, e os trabalhadores parecem estar dispostos a tudo se sujeitarem para não perder o emprego.

O poder económico domina totalmente o poder político, fazendo eleger, à custa de euros ou dólares, apenas aqueles que se sujeitam ao diktat oligárquico. Os partidos burgueses - e muitos que dizem não o ser - são meras correias de transmissão desse poder oligárquico internacional. Seitas do tipo Grupo de Bilderberg ou Trilateral definem as linhas de conduta da internacional oligárquica. No topo da pirâmide, a oligarquia americana usa e abusa do poder militar para submeter aqueles que ainda escapam ao seu controlo.

As vias institucionais estão totalmente bloqueadas. Quem se opõe ao poder oligárquico é posto fora de jogo, quando não é perseguido e ameaçado de perder os meios de sustento. Resta apenas a via revolucionária, o derrube pela força, se tal for necessário, dos que impunemente oprimem os povos do mundo e destruem o seu habitat físico e social.

Na América Latina a revolução bolivariana pode constituir o primeiro passo numa revolução global. É necessário apoiar os povos onde essa revolução se está a desenvolver e aqueles - como na Colômbia - que lutam para o conseguir. Porque o sucesso continental dessa revolução pode criar as condições do sucesso à escala global.

Na Europa é preciso consciencializar os mais jovens, os intelectuais e os trabalhadores, para que se lancem numa contestação global às oligarquias. É preciso fazer com que partidos verdadeiramente revolucionários entrem nos parlamentos nacionais e europeu. O poder oligárquico é mais frágil do que se pensa. Uma vez abalado ruirá com facilidade. Para isso é preciso estabelecer alianças à escala europeia que permitam mobilizar os recursos necessários ao processo revolucionário. Pode durar décadas até que a revolução nova vença, mas o desastre económico que se adivinha só pode acelerar o processo. Se quisermos, será esta a última geração de oprimidos no nosso planeta.

domingo, 16 de setembro de 2007

Resposta a dois esquerdistas "soft"...

No Forum do PCTP/MRPP dois participantes - provavelmente próximos do PCP ou do BE - acharam por bem ironizar a respeito da minha colaboração com o PCTP/MRPP. Porque essa colaboração deve perturbar muita gente aproveitei para dar alguns esclarecimentos. Aqui está o que respondi:

"Como hoje é domingo e tenho alguns minutos, vou tentar explicar ao "Proletário" e ao "Anti-imperialista" o que atraiu um monárquico tradicionalista para uma colaboração com o PCTP/MRPP.

Os monárquicos tradicionalistas tendem a ver o Rei como a última barreira contra o domínio oligárquico. Como um ilustre ideólogo tradicionalista de finais do século XVIII afirmava, "o Rei era diferente para que todos os outros pudessem ser iguais".

Um monárquico tradicionalista tem como prioridade mais alta destruir a oligarquia e o seu poder, baseado no controlo da economia e da finança. No Portugal de hoje só o PCTP/MRPP demonstrou não ser aliciável pela oligarquia. Todas as outras forças de pseudo-esquerda - PCP, BE e PS - se curvaram diante do poder do dinheiro.

Os monárqicos tradicionalistas fazem uma opção pelos mais pobres e pelos oprimidos da sociedade, e recusam qualquer tolerância face à exclusão social, produto de um capitalismo neo-liberal globalizante. Os monárquicos tradicionalistas não se sentem ameaçados pelo anti-capitalismo militante do PCTP/MRPP. Antes pelo contrário, sentem que são eles os seus únicos aliados possíveis na luta contra a opressão do dinheiro. É óbvio que os monárquicos tradicionalistas não esperam ver um dia o PCTP/MRPP aclamar um Rei em Portugal, mas para nós a liberdade e a justiça são mais importantes do que a Monarquia. Se somos monárquicos é porque pensamos ser mais facil instaurar essa liberdade e essa justiça com um Rei, mas a Monarquia não é um fim, é um meio. Se pudermos promover os ideais de liberdade e de justiça numa colaboração com o PCTP/MRPP, fá-lo-emos sem qualquer preconceito.

E não se ache estranho que assim seja. Em Espanha os Carlistas ajudaram a criar a Esquerda Unida, e na Rússia monárquicos colaboram com comunistas. Mas é claro que isto é dificil de entender para quem vive do facciosismo e para o facciosismo..."

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

O capitalismo e o síndroma de Estocolmo

O síndroma de Estocolmo é um estado psicológico em que uma vítima de maus tratos ou de rapto acaba por sentir simpatia e cumplicidade relativamente ao autor desses maus tratos. Os psicólogos explicam este comportamento como uma tentativa subconsciente da vítima de sobreviver no ambiente de violência gerado pelos responsáveis dos maus tratos. Receando ser vítima de maus tratos ainda maiores, a pessoa que manifesta sintomas do síndroma de Estocolmo procura aliar-se ao malfeitor para escapar à ameaça, acabando mesmo por partilhar dos seus objectivos e métodos.

No actual ambiente de capitalismo neo-liberal globalizante o que se verifica é uma minoria predadora a dominar de forma cada vez mais absoluta a maioria que tem de viver trabalhando por conta de outrém, tornando as relações laborais cada vez mais precárias, obrigando o trabalhador a trabalhar cada vez mais horas em condições cada vez piores e com remunerações cada vez mais baixas. Ao mesmo tempo o movimento sindical vai sendo progressivamente neutralizado, como consequência de uma capacidade crescente do capital se deslocalizar.

De forma algo surpreendente, quando se esperaria que os trabalhadores se lançassem num combate sem tréguas contra os seus opressores, o que se constata é os trabalhadores abdicarem de reagir face a essa violência crescente, optando por aderir à ideologia dominante numa tentativa para escapar à destruição que o sistema traz consigo. Numa típica atitude de síndroma de Estocolmo os trabalhadores aderem ao sistema que os maltrata, defendem a ideologia neo-liberal, afirmam com veemência que só o comércio livre e a globalização, num quadro produtivo capitalista, podem criar as condições de bem estar para todos. Sabendo no entanto que é o contrário que está a acontecer.

Aterrorizados, os trabalhadores recusam sindicalizar-se, aceitam a revogação das leis laborais feitas para os proteger, renunciam aos contratos colectivos, votam nos partidos que promovem a destruição do seu ambiente de trabalho, lêem a imprensa controlada pelos oligarcas, e acabam mesmo por ser cúmplices dos opressores na perseguição aos oprimidos.

Num ambiente generalizado de coacção e de cobardia, só a degradação crescente das condições de vida dos trabalhadores poderá um dia gerar uma reacção eficaz a este clima de terror laboral. Tudo terá de ficar muito pior antes que se possa esperar um dia mobilizar os trabalhadores contra os que os violentam. Até lá é no entanto necessário criar trincheiras de resistência para que, chegado o momento da reacção, ela possa encontrar os instrumentos ideológicos e logísticos que promovam o seu sucesso.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007


O que tem de mudar

A mentalidade: Ao contrário do que J.J. Rousseau parece ter defendido, o homem primitivo não era “um bom selvagem”, nem o indivíduo antecedeu a sociedade. No seu caminho de primata a hominídeo, e de hominídeo a homo sapiens, o homem evoluiu num quadro social, temperando a agressividade com o altruismo, como qualquer outro primata superior. Não foi a aquisição da razão e da linguagem que transformaram o homem num animal social, pelo que não podemos regressar a um estádio paradisíaco anterior, que nunca existiu.

Durante milénios desenvolvemos a nossa ganância natural sem pôr em causa a sobrevivência do grupo. A solidariedade no grupo era reconhecida como necessária à sobrevivência colectiva, apesar da existência de hierarquias bem definidas no seio da sociedade. Foi só a partir do século XVIII que perdemos o sentido do grupo, substituindo-o progressivamente por um individualismo destrutivo, quase patológico. Pela primeira vez na história aceitámos como boa a exclusão dos mais fracos, numa negação dos valores mais básicos da nossa espécie, e nos lançámos na procura egoista do benefício máximo para nós e para os que nos estavam mais próximos, quaisquer que fossem as consequências. Esmagamos ou destruimos até os que nos rodeiam, destruimos o ambiente e os equilíbrios ecológicos, sacrificamos o futuro em nome do presente. Caminhamos a passos largos para o desastre global sem a menor consciência do que nos espera. A própria economia é a expressão desta corrida destrutiva, em que só o interesse próprio conta.

É preciso travar a fundo. É preciso fazer o recenseamento dos recursos disponíveis a longo prazo e limitar os consumos aos recursos renováveis. É preciso contabilizar o que cada um precisa de ter e garantir uma afectação global de recursos que permita a cada um a subsistência com dignidade. Teremos de aprender a prescindir de muito que é supérfluo para que todos possam ter o essencial, e é preciso reordenar as nossas prioridades para que o essencial se não confunda com o trivial.

Temos todos de comer de forma saudável. Temos de dispor de abrigo e roupa adequada.Temos de garantir a investigação e o acesso ao conhecimento e à informação. Temos de promover a saúde e o bem estar físico. Temos de desenvolver a cultura. Temos de procurar o acesso ao lazer saudável. Temos de garantir o transporte e a comunicação, à escala local, regional e global. Temos de conseguir isto tudo para todos os habitantes do planeta, à custa de recursos renováveis. Temos de tudo subordinar à realização deste objectivo, se quisermos garantir a paz e a sobrevivência da espécie humana. Os sistemas económico e político terão de se adaptar a esta necessidade, e todos teremos de aceitar de bom grado as limitações que esta necessidade nos impõe.

(continua)

quinta-feira, 16 de agosto de 2007


O que tem de mudar

A forma de produção: Como todo economista sabe, os recursos são escassos e as necessidades aparecem como ilimitadas. O que tem como consequência a impossibilidade de satisfazer a generalidade das necessidades, e leva os mais poderosos a apropriarem-se de um quinhão excessivo dos recursos, impossibilitando aos mais fracos a possibilidade de satisfazerem as necessidades mais básicas. O ideal seria que uma mudança de atitudes e de mentalidades fizesse com que todos pudessem ter acesso ao que é necessário para subsistir com dignidade. No passado pensava-se que só a intervenção da comunidade – através do Estado – podia levar a uma distribuição mais equitativa de recursos. Só que, se o não fizesse com muito cuidado e prudência, podia causar males ainda maiores. O problema estava em que as medidas de intervenção destinadas a permitir uma mais justa redistribuição de recursos tinham como consequência quase imediata a destruição dos incentivos ao investimento e à produção. A nosso ver, a via que melhor pode concretizar o objectivo da redistribuição é a que promove a transformação de um sistema baseado no empreendorismo individual por um empreendorismo colectivo. Ou seja, a substituição da empresa capitalista pela empresa cooperativa. A procura do ganho e do sucesso na empresa capitalista conduz ao enriquecimento de apenas alguns, e à exploração do factor trabalho – tornado mais frágil pela decadência do poder sindical, fruto da globalização – pelo factor capital, e à exclusão social. A estatização da economia e das actividades produtivas matava a iniciativa e promovia a ineficiência, mas a empresa cooperativa mantem todo o dinamismo produtivo e a procura da eficiência, mas transfere para os trabalhadores – agora chamados cooperantes – os benefícios do esforço realizado e do sucesso alcançado. Desta forma a distribuição da riqueza deixa de se fazer apenas pela via fiscal, mas passa sobretudo a fazer-se por uma distribuição diferente dos rendimentos derivados da actividade produtiva. O primeiro passo numa transformação de uma sociedade predatória para uma sociedade solidária passa pela destruição da empresa capitalista, substituindo-a pela empresa cooperativa.

(continua)

terça-feira, 14 de agosto de 2007

A Origem das Preocupações Sociais

A “Direita”, para se livrar das críticas feitas por alguma “Esquerda”, recorre sistematicamente à acusação de “marxismo”, chamando a atenção para o desastre que foi a experiência “socialista” da União Soviética. Ou seja, quem critica o capitalismo neo-liberal, globalizante, só pode ser um retrógrado marxista que nada mais deseja do que repetir os erros soviéticos, apoiado ainda por cima num horroroso totalitarismo.

É evidente que só um louco quereria repetir a experiência soviética, mas isso não significa que o ideal social tenha perdido a razão de ser, ou que o capitalismo seja o sistema sob o qual teremos de viver.

Curiosamente, há muitos séculos que o problema da justiça social se coloca, e que há um corpo doutrinário – que nada tem a haver com o marxismo, até porque o antecedeu de muito -, que nos dá orientações preciosas sobre a maneira de actuar em comunidade. A chamada Doutrina Social da Igreja – que nos propomos analisar neste Blogue com algum pormenor -, cuja origem está nos Evangelhos e nos escritos dos doutores da Igreja desde os primeiros séculos do cristianismo, há muito aponta para coisas tão óbvias como o “bem comum”, o destino comum dos bens terrenos, o caracter relativo do direito de propriedade, e até o imperativo ético e moral da opção pelos mais pobres. Apenas como uma primeira ilustração disto passo a citar (em tradução própria do texto em inglês) a seguinte passagem da obra Dos Deveres do Clero, de Sto. Ambrósio de Milão, que viveu no século IV d.C.:

Em seguida consideraram estar de acordo com a justiça que se tratasse propriedade comum, ou seja pública, como pública, e propriedade privada como privada. Mas isto nem sequer está de acordo com a natureza, pois a natureza disponibilizou todas as coisas para uso comum de toda a gente. Deus ordenou que todas as coisas fossem produzidas de forma a que houvesse comida para todos, e que a terra fosse propriedade comum de todos. A natureza produziu portanto um direito comum para todos, mas a ganância transformou-o num direito apenas para alguns.” (Sto. Ambrósio de Milão, Dos deveres do Clero, Livro I, Cap. XXVIII – 132)

Não é preciso recorrer a Karl Marx para defender valores sociais de uma forma radical. O cristianismo há muito que se encarregou de tal fazer, mas são muitos os “cristãos” a quem convém substituir um imperativo de partilha e um respeito dos direitos dos mais pobres por uma vaga caridade voluntária, cujos limites são definidos pelos interesses de quem a pratica. A Igreja há muito que afirma que a propriedade privada só é legítima quando é posta ao serviço de todos, mas os nossos piosos “cristãos” consideram-na um direito absoluto que lhes permite canalizar para si todo o benefício da sua exploração.

Se há elemento da ideologia marxista que podemos adicionar ao que a Igreja há muito determina, é o de “luta de classes”, não como mecanismo desejável mas como elemento objectivo das relações dentro da comunidade. O espírito de ganância que parece ser próprio do Homem manifesta-se de forma individual – cada um procura o máximo para si -, mas a procura da eficácia na prática predatória levou a que os homens procurassem cumplicidades que tornassem as suas ambições mais faceis de alcançar. A mesma lógica que leva o bandido a associar-se com outros bandidos no seio do bando, leva os exploradores a associarem-se na exploração, o que leva a que os explorados procurem igualmente associar-se na resistência à exploração. É a eterna divisão entre predadores e presas, a que Marx optou por chamar “luta de classes”. E o curioso é que a Igreja, ao proclamar a opção pelos pobres, está a reconhecer essa realidade, já que contrapõe os interesses e direitos dos pobres aos interesses dos que o não são. Para Marx havia a classe burguesa e a classe proletária, para a Igreja há os ricos e os pobres. E tal como Marx não queria o mal dos burgueses mas a sua integração numa sociedade sem classes, também a Igreja não quer mal aos ricos, quer levá-los a colocar a sua riqueza ao serviço de todos e impedir que continuem a enriquecer à custa dos outros.

A propaganda capitalista, a posse quase exclusiva dos meios de comunicação social pelos agentes da oligarquia, tem tentado – com bastante sucesso, deve-se reconhecer – impedir que nos apercebamos do óbvio. Os lobos têm, até agora, conseguido que sejam os cordeiros a vir oferecer-se à sua gula, convencidos da inevitabilidade do seu destino como alimento. Os indícios do desastre económico e ambiental que se aproxima tornam urgente que os cordeiros se apercebam de que não têm de ser comidos, e que podem derrotar os lobos. Um mundo sem lobos pode não ser possível, mas é tempo de os tornar vegetarianos.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Apresentação


Blogues
há muitos. Blogues monárquicos de esquerda...radical, é natural que não haja nenhum. Porquê então esta bizarria? Vou tentar explicar:

Ao longo dos anos que já tenho - e já não são tão poucos como isso - fui-me apercebendo de que vivíamos num mundo disfuncional, com um sistema de vida não menos disfuncional. Perdeu-se o sentido de comunidade, perdeu-se o valor da solidariedade, perdeu-se o sentido da ética. Em nome de uma pseudo-liberdade e da eficiência desumanizámo-nos, adoptámos a lei da selva como norma, em que os mais fortes, mais agressivos, menos escrupulosos, prevalecem. "Ter" tornou-se muito mais importante do que "Ser", e já não se olha a meios para alcançar os objectivos materiais que nos obcecam. Os mais fortes abusam dos mais fracos, o poder político deitou pela janela fora o princípio do "bem comum", enveredando pela opressão e pela extorsão pura e simples, quem estuda ou investiga plagia, quem tem quer ter mais, quem não tem ou rouba ou definha...

O neo-liberalismo galopante, na sua versão mais globalizada, destruiu todos os valores, com excepção dos valores monetários. Na ânsia de produzir cada vez mais, agride-se o planeta, destroem-se os equilíbrios ecológicos, polui-se, destroem-se os recursos não renováveis num total desprezo pelas gerações futuras. Sem dar por isso estamos a deslizar de forma segura para a situação que conhecemos no século XIX, em que a fortuna de poucos se fazia à custa da miséria de muitos.

A globalização e uma liberdade de comércio fundamentalista, ao abrir a porta à deslocalização dos meios de produção, destruíram o movimento sindical e lançam um número crescente de pessoas na exclusão social. As relações laborais são cada vez mais precárias, quem não é rico ou não pertence aos órgãos da oligarquia enfrenta carências crescentes e uma incapacidade crescente para fazer face às suas necessidades mais fundamentais.

Face a isto a chamada "direita" não só não tem resposta como nem acha que uma resposta seja necessária. Apesar dos apelos repetidos da Igreja no sentido de se acautelarem os direitos dos mais pobres, essa direita conservadora, que gosta de se intitular de cristã mas sacrifica ao deus do dinheiro, fecha sistematicamente os olhos ao escândalo da pobreza crescente, garantindo-nos com toda a hipocrisia de que é capaz, de que o capitalismo selvagem acabará por dar a todos o benefício de uma sociedade patologicamente consumista.

A "esquerda" titubeia. Até porque hoje muitos do que se intitulam de esquerda são irmãos siameses do pior que a direita produz. Corrompidos pelo dinheiro da oligarquia nacional e internacional, os políticos da falsa esquerda são hoje tão culpados como a pior direita do que nos vai acontecendo. É preciso uma nova esquerda que regresse aos valores de esquerda, que - mesmo quando não é cristã - compreenda a mensagem da Doutrina Social da Igreja, que faça uma opção clara pelos pobres, que se proponha destruir todos os instrumentos da opressão oligárquica.

É preciso, salvaguardando o que de válido tem o mercado, substituir a empresa capitalista pela empresa cooperativa e pela auto-gestão dos que trabalham. É preciso penalizar a especulação financeira, introduzindo finalmente uma taxa Tobin sobre todas essas transacções, que permita financiar o estado social. É preciso rapidamente substituir as fontes não renováveis de energia por energias renováveis, e muito especialmente o hidrogénio, mesmo que os seus custos sejam temporariamente mais altos. É preciso instituir um sistema de economia social - dirigido a responder às muitas necessidades sociais pelas quais o sector privado se não interessa - de forma a, simultaneamente, responder a essas necessidades e garantir funções remuneradas a quem não consegue inserir-se no sector produtivo. É preciso garantir a educação, os cuidados de saúde e a reforma - a níveis compatíveis com a dignidade humana - a todos.

Finalmente, é preciso estabelecer um sistema político capaz de resistir com eficácia ao assalto permanente da oligarquia. Uma Monarquia temperada pela participação da comunidade, com um Rei com os poderes necessários a impedir o assalto da oligarquia aos órgãos do poder político, é a resposta possível ao sistema corrupto e anti-democrático que vigora por esse mundo fora.

Neste Blogue lançarei as minhas ideias sobre estas questões, e acolherei a participação de todos os que, de forma digna e elevada, quiserem ajudar nesta reflexão.

Nuno Cardoso da Silva